A companheira sobrevivente – não casada civilmente, mas em união estável comprovada com o falecido – tem “direito real de habitação” sobre o imóvel que serviu de moradia ao casal durante muitos anos
A decisão foi tomada pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por 3 votos a 2, em sessão plenária realizada no mês passado.
O voto vencedor foi o do relator, ministro Luís Felipe Salomão.
O número e as partes do processo não foram divulgados no site do STJ em razão de segredo judicial.
No caso, a turma do STJ confirmou decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar recurso especial do espólio, representado pela esposa do falecido, que requereu a desocupação do imóvel que o ex-marido e a sua companheira ocuparam durante 14 anos, sob o argumento de que, como o óbito ocorreu em julho de 2004, a questão deveria ser julgada no âmbito do Código Civil de 2002, que ao disciplinar a matéria da sucessão do convivente “não contemplou a companheira como destinatária do direito real de habitação”.
O recurso ressaltava também que a Constituição de 1988 estimulou a conversão da união estável em vínculo matrimonial formal, mas não igualou as duas situações quando há impedimento para o casamento – como no caso em discussão, em que o vínculo matrimonial permanecia.
Finalmente, o espólio sustentava que o novo Código Civil restringiu à esposa o direito de habitação, de modo que reconhecê-lo à companheira importaria colocar esta em vantagem.
De acordo com os autos, a esposa reside em outro imóvel deixado pelo marido falecido, de quem estava separada, de fato, desde 1983.
Polêmica
Segundo o ministro-relator, a Lei 9.278/96 – que previu expressamente o direito real de habitação também aos companheiros, consagrando a concepção constitucional de união estável como entidade familiar – foi tacitamente revogada pelo novo Código Civil, que regulou completamente a matéria, mas, em seu artigo 1.790, não explicitou o direito real de habitação aos companheiros em união estável.
No entanto, a despeito desse entendimento, o ministro Salomão ressaltou que o STJ já decidiu que a disciplina geral promovida pelo Código Civil acerca do regime sucessório dos companheiros não revogou as disposições constantes da Lei 9.278 nas questões em que verificada a sua compatibilidade.
Ainda conforme o ministro, o artigo 1.790 do novo código “tem despertado intensos debates, por contrariar a evolução do direito construída ao amparo da Constituição de 88 e ignorar conquistas dos companheiros em união estável, fugindo assim ao espírito constitucional”.
Em seu voto, o relator se disse favorável à decretação da inconstitucionalidade do artigo 1.790 e rechaçou a tese de que não seria possível reconhecer o direito real de habitação à companheira sobrevivente.
Fonte: Jornal do Brasil – Luiz Orlando Carneiro